segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A PASSEATA DO PRAZER


Texto enviado pelo meu amigo e jornalista Zanoni Antunes, de Brasília, comigo nesta foto tirada por minha mulher, Maria Helena, em uma noite invernal paulistana:

Em 1977 o Brasil seguia lentamente a rotina da ditadura militar. Naquele ano, o generalíssimo Ernesto Geisel presenteou o país com o Pacote de Abril o qual, entre outras maluquices, criava a figura dos senadores biônicos – indicada pelo presidente – garantindo o distanciamento da população da folia das urnas. No carnaval do ano seguinte, inspirado no pacote de Geisel, ganhava às ruas de Brasília o Pacotão (Sociedade Armorial Patafísica Rusticana-SAPR) tendo como símbolo uma tartaruga.

Criado por um grupo de jornalistas que combatia garrafas e, nas horas vagas, o regime militar, o Pacotão nasceu sob o signo da irreverência. Em seu primeiro ano de vida o bloco foi às ruas de Brasília com algumas dezenas de gatos pingados, mas com muito humor e irreverência, marca que o acompanharia por muitos anos. Como uma passeata (proibida na época), o bloco rompia o silêncio cantando e portanto faixas que satirizavam o poder, partidos e os próceres da República.

Com o tempo, a irreverência e a adesão ao bloco foram aumentando. O Pacotão chegou a colocar nas avenidas de Brasília mais de 20 mil pessoas. Foi o auge do bloco que começou ridicularizando o regime militar, clamando por eleições diretas e acabou adentrando na chamada Nova República de Tancredo Neves e José Sarney. Com Collor e Itamar Franco teve início a sua decadência.

Dirigido pelo anárquico Charles Preto, presidente vitalício e imaginário, o bloco era uma dor de cabeça para os órgãos de segurança. Charles Preto dava entrevistas – em off – e nunca aparecia e muito menos comparecia às intimações dos poderosos de plantão. O líder da desobediência civil carnavalesca existia apenas na cabeça dos jornalistas que se divertiam “plantando” notinhas nas colunas e matérias nos jornais.

O Pacotão continua existindo, mas sem a participação dos seus fundadores. O retorno à normalidade democrática retirou a sua fonte de inspiração e matou a irreverência política do bloco. O Brasil ainda não tomou jeito, mas o Pacotão nascido em 77 representou uma válvula de escape à repressão e à censura. Personificou coisas que a ditadura tinha ojeriza, como a retomada das ruas, a liberdade de expressão e a alegria.

O Pacotão era a passeata do prazer.

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