Para onde vai a Venezuela?
25.set.2014 - auditório da Fundação iFHC
Abertura: Sergio Fausto
Palestrantes:
- Cristina Marcano
Resumo
No dia 25 de setembro, o iFHC recebeu Lilia Cristina Marcano co-autora do livro “Hugo Chavez sin uniforme: una história personal”. Jornalista reconhecida em seu país, hoje vivendo parte do tempo no México, ela falou sobre as transformações políticas na Venezuela, em particular a partir da posse de Nicolás Maduro.
Marcano relembrou de início uma frase dita pelo próprio Chávez em 2012, poucos meses antes de seu falecimento: “Aqui há uma revolução militar em marcha”. Chávez tinha razão, segundo a jornalista.
Desde a morte do ex-presidente, a militarização do poder político na Venezuela só fez aumentar. O governo atual é bicéfalo, com uma cabeça civil, representada por Nicolás Maduro, e outra miliar, simbolizada pelo tenente-coronel da reserva Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. A bicefalia, porém, advertiu Marcano, não encobre o traço essencial do novo governo: o poder real está cada vez mais enfeixado nas mãos dos militares.
Sem o carisma de seu antecessor, eleito por escassa margem de votos, fraco politicamente, Maduro teve de atender às demandas militares por mais poder e mais privilégios corporativos. Hoje eles controlam desde a gestão da macroeconomia até a distribuição de alimentos e medicamentos, passando pela administração de vários setores de infraestrutura. Não apenas ocupam 1/3 dos postos ministeriais, como também controlam empresas e bancos estatais importantes, além de dispor um canal de TV próprio. Os soldos têm recebido aumentos acima dos reajustes autorizados aos demais servidores do Estado e aos trabalhadores do setor privado. O Ministério da Defesa conta com um orçamento 5 vezes maior que o do Ministério da Alimentação, 8 vezes maior que o do Ministério da Agricultura e 11 vezes maior que o do Ministério da Habitação, conforme dados apresentados pela jornalista.
Cresce também a participação direta dos militares na política, agora com respaldo do Tribunal Supremo de Justiça. Em flagrante desrespeito à Constituição de 1999, promulgada no primeiro ano do governo de Hugo Chávez, o referido tribunal autorizou as Forças Armadas a participar em atos de militância e proselitismo político. Já não se trata mais apenas da participação de militares da reserva na política – doze dos 23 governadores de estado são militares aposentados – mas da permissão legal para que a instituição e seus membros ativos atuem na política partidária, alertou Marcano. “Há um processo de legalização das Forças Armadas como partido de governo, em uma fusão com o Partido Socialista Unido da Venezuela”, concluiu.
Fosse pouco a militarização do Estado, militariza-se também a sociedade venezuelana. Sobre isso, a jornalista destacou uma lei aprovada em junho deste ano que obriga a todo cidadão venezuelano, homem ou mulher, entre 18 e 60 anos, a proceder ao seu registro militar para supostamente participar da “defesa integral da nação”. O não cumprimento dessa obrigação sujeita o infrator a uma serie de penalidades, entre elas a não emissão de documentos oficiais como a carteira de motorista. O mal disfarçado propósito da lei é aumentar o grau de informação do governo sobre cada indivíduo para melhor poder controlar e reprimir manifestações de descontentamento social.
A preocupação com o controle social tornou-se um dos principais objetivos do governo venezuelano. As autoridades sabem, assinalou Marcano, que a crise econômica é profunda e de difícil solução. Buscam assim aperfeiçoar mecanismos que permitam sufocar ondas de protesto social em seu nascedouro. Afora novos instrumentos jurídicos, têm adotado expedientes de intimidação, a exemplo da detenção para interrogatório de pessoas consideradas perigosas para o regime. Em episódio recente, o diretor de um hospital público foi detido por fazer críticas indiretas às políticas de saúde, contou a jornalista.
Marcano não arriscou prognósticos taxativos sobre os desdobramentos da situação política na Venezuela. Preferiu enfatizar que “a Venezuela é uma panela de pressão e o governo está fechando todas as válvulas de escape, o que configura um cenário muito perigoso.” Apontou as eleições parlamentares de 2015 como uma encruzilhada. Se as oposições conquistarem a maioria na Assembleia Nacional, probabilidade alta em face do aprofundamento da crise econômica e social, haverá chance para uma mudança negociada ao longo dos anos seguintes. Por ora, no entanto, este é apenas um fiapo de luz num horizonte cada vez mais carregado de nuvens pesadas.
Mini Biografia
Cristina Marcano
Jornalista com vasta experiência na mídia venezuelana. Estudou Comunicação Social na Universidade Católica Andrés Bello.
Iniciou a carreira jornalística em El Diário de Caracas.
Posteriormente, ingressou na redação de El Nacional, onde chegou a trabalhar como coordenadora da seção Política, além de ter atuado como correspondente entre 1997 e 2002.
Em 2004, juntamente com Alberto Barreratyszka, lançou, Hugo Chávez sem uniforme, primeira biografia documentada do presidente venezuelano.
Atualmente colabora ocasionalmente com El Pais da Espanha e a revista mexicana Letras Libres.
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