Texto da coluna Cenários postado nesta terça-feira, 27/1, no portal Jornal da Comunicação Corporativa (http://www.megabrasil.com.br/).
A Folha de S.Paulo e a Folha Online comemoraram os 25 anos do Comício das Diretas, em São Paulo, que reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé, no dia 25 de janeiro de 1984, e deu uma dimensão irreversível para o movimento que então se iniciava (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u492840.shtml). O jornalista Ricardo Kotscho também se manifestou sobre a data no seu Balaio no portal IG(http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/). Naquela época, eu era assessor de imprensa do presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, acompanhei a gênese da campanha e comícios por todo o Brasil. Relembro aqui um pouco do que vivi.
Na verdade, no fim de 1983 não se acreditava muito que a Campanha das Diretas decolasse, apesar do comício que o PT realizou em novembro daquele ano, na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo – no dia, aliás, da morte de Teotônio Villela, informação que foi dada, do palanque, pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, pois todos os partidos de oposição estavam presentes. A idéia era vista mais como uma idiossincrasia do presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, do que uma possibilidade concreta.
Lembro-me de uma tarde de dezembro de 1983, em que, no gabinete da presidência do PMDB no Congresso Nacional, o Dr. Ulysses finalizou por telefone a programação da primeira fase da Campanha. Depois de uma série de telefonemas, anotou, em um dos papéizinhos que costumava carregar nos bolsos do paletó, o roteiro dos comícios: Curitiba, Porto Alegre e Balneário Camboriú. Por que começar por Curitiba? Á época, a capital paranaense era considerada a cidade ideal para testar o lançamento de produtos, por causa de distribuição social de sua população. A idéia era de que se o lançamento da campanha desse certo lá, daria certo em todo o país.
O PMDB paranaense, que era comandado por Álvaro Dias, pegou o touro à unha. Na época, o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, que comandava uma oposição moderada ao regime militar e, dizia-se, não acreditava que este permitisse as eleições diretas, havia emplacado o senador paranaense Afonso Camargo, um peemedebista oriundo da Arena, o partido do governo, como secretário geral do partido – o que havia sido considerado uma derrota para Ulysses Guimarães. Pois Camargo viu na realização do comício em Curitiba uma oportunidade para suavizar sua imagem de ex-arenista. Entregou-se com afinco à organização do evento, inclusive encomendando a uma agência de publicidade local o logo da campanha, as duas faixas, a verde e a amarela, estilizadas como se fossem uma pixação. E mobilizou com entusiasmo a oposição no Paraná. Resultado: 40 mil pessoas lotaram a “Boca Maldita”, local tradicional de manifestações em Curitiba.
Em Porto Alegre, não houve comício, mas uma passeata pela Rua da Praia, pois o presidente do PMDB local, Pedro Simon, ainda estava abalado pela derrota fraudada nas eleições para governador em 1982 e pela recente morte trágica de familiares. No Balneário de Camboriú, 15 mil pessoas foram ao comício. Mas o sucesso do comício de Curitiba entusiasmou a oposição, especialmente os peemedebistas. Lembro-me até hoje da comitiva do governador de São Paulo, Franco Montoro, chegando atrasada ao comício de Curitiba e partindo de lá entusiasmada com o sucesso do evento. A Folha de S. Paulo trombeteou o sucesso curitibano e inflamou a discussão sobre a realização de um outro comício, agora em São Paulo, aproveitando o aniversário de fundação da cidade, no dia 25 de janeiro.
Houve quem aderisse à idéia imediatamente e quem achasse que não haveria tempo hábil para promover a necessária mobilização de gente. Naquela época, Ulysses Guimarães promovia reuniões nas noites de domingo em sua casa, na rua Campo Verde 418, nas quais discutia os rumos da política e da economia nacionais, mais a segunda do que a primeira, às quais compareciam Severo Gomes, os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manoel Cardoso de Mello, Luciano Coutinho, algumas vezes, poucas, Fernando Henrique Cardoso e outros convidados eventuais, como Mino Carta ou Maria Conceição Tavares. Ali havia o temor de que a convocação do comício resultasse em um fracasso, mas essa preocupação nunca foi externada publicamente. Mais do que temor, creio eu, havia um certo ciúme entre Ulysses e Montoro, com o presidente do PMDB incomodado com a possibilidade do governador de São Paulo competir com ele pelo comando da campanha.
O comício foi um sucesso e deu musculatura à campanha, que se alastrou pelo país, com comícios sendo realizados em todas as capitais. E, de fato, o PMDB paulista dá ao comício de São Paulo uma dimensão que ele não teria se não houvesse ocorrido o de Curitiba e se Ulysses Guimarães não houvesse teimado em por a campanha na rua. Sem Ulysses Guimarães não teria havido Campanha das Diretas-Já. Eu enviava com antecedência para o principal jornal de cada capital um artigo do Ulysses, conclamando a cidadania a comparecer aos comícios. Organizava as entrevistas coletivas a cada cidade. Alguém em algum comício disse que Ulysses Guimarães era o Sr. Diretas. Pois bem, no comício seguinte, ele me chamou ao fundo do palanque e pediu: “Serrano, peça ao locutor para me chamar de Sr. Diretas quando for me apresentar para discursar”.
Assim, nasceu o mito.
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