quinta-feira, 30 de abril de 2009

O FIM DE UM TABU


No post anterior, referi-me aos seguintes versos do mineiro Carlos Drummond de Andrade:

"No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra".

E disse que sua conterrânea Dilma Roussef deve ter se lembrado deles ao ter notícia de seu problema linfático.

O surgimento de pedras no caminho faz parte da vida, esse maravilhoso processo do qual sabemos qual é ponto de partida, mas desconhecemos o da chegada. Dilma Roussef, segundo sua história, já topou com várias, algumas pesadas, envolvendo prisões na ditadura militar. Digamos que nesse caso foram pedras resultantes de uma opção política consciente. Agora, é diferente, surgiu inesperadamente da evolução do corpo humano ao longo de uma vida. Felizmente, para ela, foi detectada logo no início, mais facilmente de ser vencida. Disseram os médicos que há 90% de possibilidade de que o mal não retorne. Na simpática entrevista coletiva que concedeu no sábado passado, pela manhã, Dilma lembrou que passou por cima de muitas pedras na vida e essa será apenas mais uma.

Não foi por acaso que usei a palavra “simpática” na frase anterior. A simpatia e a doçura marcaram o tom das palavras de Dilma na entrevista. Além do tom, a entrevista coletiva teve um timing perfeito do ponto de vista político, pois foi concedida assim que a notícia vazou (na Folha de S.Paulo do mesmo sábado).Deu transparência ao problema, matou a boataria corrosiva. Fortaleceu a figura de Dilma por demonstrar coragem de tratar publicamente um problema de saúde que poderá prejudicar sua corrida ao Palácio do Planalto.

A admissão pública quebrou um tabu antigo da política brasileira. Admitir publicamente uma doença valia por uma condenação, por um afastamento da vida política. Há exemplos mais ou menos recentes disso. O senador Petrônio Portella faleceu em janeiro de 1980, de um ataque cardíaco. Foi o condutor da política de distensão “lenta, gradual e segura” do governo Geisel e Ministro da Justiça no governo Figueiredo. Seu papel no processo de abertura política o credenciava a ser candidato a Presidente da República pelo PDS, o partido oficial. Por essa razão, Portella que sabia de seus problemas cardíacos nunca encarou um tratamento, com receio de que a vinda à tona do problema prejudicasse a candidatura.

Tancredo Neves protagonizou um caso mais notório. Tentou esconder o seu problema, apontado como um Divertículo de Menckel, um tumor no intestino, apesar de ter fortes dores, até o dia da posse no cargo de Presidente da República. Seu receio era que um eventual tratamento ou cirurgia o impedisse de assumir o cargo, mesmo já estando eleito. É verdade que não se tratava apenas de uma troca de presidentes, mas de uma mudança de regime, do militar para o democrático. Mas, ao adiar o enfrentamento do mal, Tancredo condenou-se à morte, antes da posse.

Como não poderia deixar de ser, a revelação do problema de Dilma Roussef e de sua quimioterapia ao longo de quatro meses, alimentou especulações em torno da corrida sucessória. É legítimo debater se uma pessoa com algum problema de saúde tem condições não só de enfrentar uma campanha eleitoral (o que interessa aos seus partidários) como também de exercer o maior cargo político do país, a Presidência da República (o que interessa a todo o país). Até esta terça-feira, a questão estava sendo tratada respeitosamente, com respeito humano, digamos assim, pelo mundo político. Mas, não tenhamos dúvida, esse dado fará parte das discussões sucessórias de agora em diante. Assistiremos a um escrutínio permanente das condições de saúde de Dilma Roussef.

Na segunda-feira passada, à noite, antes de escrever estas linhas, assisti na Internet um vídeo com a fala de Dilma em Manaus, em que ela agradece “a solidariedade manifestada por mulheres e homens que se aproximaram dela desejando força” para superar o problema, sendo vivamente aplaudida após dizer isso. Fiquei com a nítida impressão de que o imprevisto problema linfático já entrou na campanha – e a favor de Dilma Roussef.

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