terça-feira, 23 de junho de 2009

APROFUNDANDO A DISCUSSÃO SOBRE O FIM DA OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA DE JORNALISMO

Não havia bom jornalismo antes da obrigatoriedade do diploma?

Publicado originalmente no Jornal da Comunicação Corporativa (www.megabrasil.com.br)

A decisão do STF de acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista tem sido muito mal discutida com uma argumentação pobre dos dois lados, contra e a favor. Eu sou a favor da decisão do STF.

Vi, pela Internet, só uma pequena parte dos debates no STF, aquela em que os advogados das partes se manifestaram. Não vou repeti-los, mas seus argumentos não foram abrangentes, nem entraram profundamente na questão.

Não gostei do exemplo usado pelo ministro Gilmar Mendes, comparando a profissão de jornalista à de um cozinheiro. Para mim, foi uma comparação infeliz, pois uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Passou-me a intenção de desprestigiar a nossa profissão, pois o jornalismo tem uma função essencialíssima na evolução das sociedades.

Também achei fora de lugar julgar o caso sob o guarda-chuva da liberdade de expressão. Não era isso que estava em jogo, pois a exigência do diploma não impedia a publicação de artigos das mais variadas correntes políticas e ideológicas pelos veículos. O que determina o espaço para essas opiniões é a linha editorial dos veículos, que é controlada pelos seus proprietários.Há os que dão espaço para todas as correntes de pensamento relevantes. Há os que não dão. Mas o jornalista que labuta no dia a dia atrás das notícias não tem qualquer poder sobre isso. Pelo contrário, o enfoque das notícias relevantes por ele apuradas é determinado pela linha editorial dos veículos. Nesse caso, quem não tem liberdade de expressão é o jornalista, mesmo que ele faça um trabalho tecnicamente correto, o que, aliás, é subjetivo em jornalismo.

Por sua vez, os que defendem a manutenção da obrigatoriedade do diploma, falam que a sua supressão comprometerá a qualidade do jornalismo. Lançam mão desse argumento como se não houvesse existido imprensa, com excelentes jornais, antes da lei que a estabeleceu, no fim da década de 60. A esses aconselho que pesquisem o jornalismo brasileiro do século passado, pois encontrarão um leque enorme de bons e combativos jornais, defendendo as mais variadas correntes de opinião, feitos por talentosos e inspirados jornalistas. Eram tempos em que não havia tantas “técnicas” de isenção, como ouvir todos os lados de uma questão, por exemplo, mas escrevia-se muito bem, aprofundavam-se as matérias, contavam-se belas histórias, mesmo que, às vezes, enviesadas pela linha editorial do veículo que a publicava. Era uma imprensa mais rica em debates. Na verdade, a existência de um leque mais variado de jornais era conseqüência da economia do negócio na época, com custos mais baixos e altos índices de leitura. Nada tinha a ver com diploma ou não diploma, mas os jornalistas tinham variada formação que lhes possibilitava uma visão ampla do momento que viviam.

Falar em defesa da qualidade via diploma é menosprezar o sacrificado, até em termos de vida, trabalho que uma geração de jornalistas desempenhou sob censura durante a ditadura militar de 1964 e de outros tantos em outros períodos ditatoriais, como o de Vargas. Nessas épocas, mediam-se palavras para tentar passar à opinião pública informações importantes sobre os desmazelos provocados pelo autoritarismo na vida nacional. Usava-se a criatividade. E corriam-se riscos, inclusive pessoais, para fazer chegar ao público uma informação, só uma informação. Falar que o diploma é uma conquista dos jornalistas, é desprezar o sacrifício de toda uma geração que enfrentou a ditadura que criou a obrigatoriedade do diploma – e isso nunca foi reivindicação dos profissionais da época, muito pelo contrário.

O tema diploma tem a ver com o exercício do jornalista profissional no dia a dia atrás da notícia e a melhor forma de transmiti-la. Do meu ponto de vista, antes da questão da melhor forma de transmiti-la, que é uma técnica, vem a capacidade do profissional entender do que trata o assunto sobre o qual ele reportará, que envolve uma visão de mundo, experiência de vida, conhecimento específico. A minha experiência pessoal em um curso de Comunicação (ECA 1971-74) e a de 38 anos de profissão – como jornalista e assessor de comunicação – mostra que os jornalistas diplomados saem dessas instituições com alguma noção de técnica, mas pouca visão de mundo. Pouco, muito pouco, para darem uma contribuição, pelo menos no início da carreira, para a musculatura intelectual de um veículo, seja de que mídia for. Essa visão do mundo, experiência, etc, eles vão construir ao longo de sua vida profissional.

Julgo que os profissionais que se dedicarão ao jornalismo estarão mais preparados para exercê-lo, para darem seus passos iniciais nele, se fizerem um curso de humanas, como história, sociologia, psicologia, pedagogia. Ou cursarem educação física, para cobrir esportes. Até mesmo engenharia e medicina se forem cobrir essas áreas nos veículos em que trabalharem. A técnica de transmitir a informação é mais fácil de ser aprendida do que uma visão de mundo. E está em constante mutação, o que nos desafia a todos, nestes tempos de internet, sites, blogs, mídias sociais. Amanhã será o que? As escolas de comunicação não têm fôlego para acompanhar tanta mudança tecnológica.

Compreendo a ansiedade dos que investiram tempo e dinheiro na obtenção de um diploma de jornalismo. Estão com a sensação de que seu esforço e dinheiro terão sido jogados fora. Essa é uma visão apenas corporativa da carreira profissional. Nos tempos atuais, uma carreira deve ser encarada a partir de uma perspectiva ampla e toda e qualquer formação acadêmica conta a favor de quem a tem e é talentoso. Quando larguei meu curso de engenharia na Poli USP, trocando-o pelo da ECA, pois o diploma já era obrigatório, me alertavam que eu estava trocando o certo pelo incerto e desvalorizado. Eu respondia que quem é competente vence em qualquer profissão e foi o que aconteceu comigo. Vários como eu fizeram trocas semelhantes e se deram bem no jornalismo. E note-se que comecei a trabalhar no primeiro ano da ECA, muito antes de obter o diploma.

Quanto às razões que levaram as empresas jornalísticas a questionar o diploma, creio que a principal foi a de conquistarem liberdade de contratação e de se livrarem da vigilância dos Sindicatos de Jornalistas. Politicamente, estão declarando que continuarão a contratar jornalistas diplomados, o que não faz muito sentido, mas é um compromisso que os sindicatos certamente vão cobrar.

Os sindicatos de jornalistas dizem, também, que a exigência do diploma era uma ferramenta importante para estabelecer e defender os padrões salariais da categoria. Mais importante do que isso, ao meu modo de ver, é negociar contratos coletivos de trabalho que estabeleçam as funções e suas respectivas remunerações dentro das empresas, normas que deverão ser seguidas independentemente da origem do profissional contratado. Fica aqui uma tentativa de discussão mais abrangente e organizada da questão, uma contribuição ao debate. Certamente deixei lacunas a serem preenchidas.

Seria interessante, também, que se discutisse a necessidade de diploma e exames ou registros de Ordem (OAB e similares) em outras profissões, como advocacia, economia, profissões em que não estão em jogo questões de vida ou morte como medicina e engenharia, por exemplo. estas sim que nas quais o diploma é indispensável.Acima de tudo, o que se deve discutir é a visão cartorial e corporativa que marca a atividade profissional no Brasil, adaptando-a aos desafios contemporâneos do Século XXI.

3 comentários:

  1. Serrano o fim do diploma apenas acelera o que ja acontece no mundo globalizado e inter-conectado, um jovem de 16 anos que fale ingles pode acompanhar pela internet tudo que rola no mundo e ter um blog muito mais visto que uma revista mensal feita por profissionais formados. O mundo mudou e quem tem conhecimento diploma nao e importante.

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  2. parabens... concordo com cada linha

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  3. DIPLOMAS PARA OS PESCADORES
    Ruy Fernando Barboza
    Para fazer um pouco de demagogia com os jornalistas, um dia, os militares no poder baixaram autoritariamente, num pacote de atos ditatoriais, a regulamentação da profissão de jornalista. Deram a todos os jornalistas em exercício o status de profissionais de nível universitário, e obrigaram quem quisesse ser jornalista, a partir de então, a fazer uma faculdade. O jovem tem de passar dos 18 aos 22 anos num curso superior, para só depois ir ao mercado de trabalho ver se consegue ser jornalista. Dureza. Mesmo porque, sendo poucas as vagas e muitos os cursos, a disputa é braba. E a maioria dos cursos, como tem público certo – os que vão atrás do diploma -, não se preocupa em ensinar coisa alguma.
    Digamos que, por qualquer razão, de repente os políticos (graças ao bom Deus e à repulsa da nação, hoje os poderosos não são os militares) resolvessem agradar os pescadores, e transformassem a pesca numa atividade de nível universitário. Quem pescou até agora ganharia o registro de pescador profissional, mas os próximos teriam de cursar a Faculdade de Pescaria. Rapidamente, nossas trocentas universidades criariam seus cursos de pesca. Não teriam, certamente, maior dificuldade em cumprir a carga horária e o curriculum mínimo a ser estabelecido pelo Conselho Nacional de Educação. Um ciclo básico de dois anos, introdutório, teórico, no Centro de Ciências Agrárias, de um ano e meio a dois anos, ensinaria Filosofia da Pesca, História da Pesca e Histórias de Pescadores, Sociologia da Pesca, Direitos do Mar, Geografia da Plataforma Continental, Meteorologia, Língua Portuguesa com especial atenção para o Vocabulário Específico da Pesca etc. etc.. Do terceiro para o quarto ano, teríamos matérias mais especializadas e vibrantes, nas quais os alunos poderiam ver filmes sobre pesca, realizar seminários a respeito e estudariam equipamentos de pesca, visitariam lojas de produtos de pesca, enfim, uma parte mais prática, e ainda teriam a chance de, no Laboratório de Pesca da Universidade, utilizar um caniço com uma isca de plástico, num tanque com peixes também de plástico – um estágio supervisionado, de 30 horas, que seria o ponto culminante do curso. Sem esquecer do indefectível TCC, Trabalho de Conclusão de Curso, no qual discorreriam sobre, por exemplo, O Velho e o Mar, ou A Expedição Kon Tiki, a série Tubarão. Alunos mais aplicados entrevistariam um ou dois pescadores do Pântano do Sul. Haveria uma bela festa de formatura, a vovó orgulhosíssima com mais um neto doutor. O resultado não é difícil de prever. Bons pescadores, por não terem diploma, seriam impedidos de pescar – um Sindicato e uma Federação atentos, filiados na maioria desempregados mas com diplomas na mão, se encarregariam de defender o interesse do público consumidor de peixe e a qualidade da atividade pesqueira, afastando do mercado esses arrivistas que ousam saber fisgar um peixe sem ter feito a Faculdade. Quem gosta de frutos do mar teria dificuldade para encontrar um peixe de qualidade no mercado – se aparecesse algum. Só os donos de Universidades particulares é que não teriam do que se queixar. Continuariam recebendo bons cardumes de alunos, que despejariam no mercado, bem embrulhadinhos. Em papel de jornal.

    RUY FERNANDO BARBOZA, 66 anos, aposentado, mora no Campeche,em Florianópolis, é jornalista profissional, foi Professor Titular, chefe do Departamento de Comunicação e Diretor da Editora da Universidade Estadual de Londrina, cujo Curso de Comunicação Social projetou e implantou, em 1974.

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