Este artigo de Rogério Simões, editor da BBC, é um exemplo da qualidade das discussões que envolvem o papel de uma verdadeira TV pública, como é a estação britânica.
"O programa de TV Question Time, da BBC, é um dos principais espaços de debate político na mídia britânica. No programa, políticos de várias facções, incluindo um membro do governo, dividem uma mesa com especialistas, diante de uma platéia formada por pessoas de diferentes perfis sociais. Ao longo do programa, um membro da platéia lança um tema a ser discutido pela mesa, sob a mediação do experiente jornalista David Dimbleby, que durante o debate oferece a palavra a outros cidadãos para que questionem os políticos presentes. Trata-se de uma rara oportunidade, pouco vista mesmo em outras desenvolvidas democracias ao redor do mundo, de ver o público cobrando, diante das câmeras, aqueles que determinam o presente e o futuro da nação.
Tamanha é a importância do programa que a decisão da BBC de convidar o BNP (British National Party, ou Partido Nacional Britânico) para participar do painel pela primeira vez causou uma celeuma no país. Tudo porque o BNP não é um partido qualquer: é o representante britânico da onda de extrema direita que já assustou outros países europeus, como Áustria, França ou Holanda. O BNP defende a Grã-Bretanha para o que considera britânicos originais, ou seja, a população de origem anglo-saxã, branca. Condena a entrada de imigrantes e ataca a União Europeia, dizendo que o engajamento do país com o resto da Europa ameaça a soberania nacional. É um partido racista e fascista, dizem seus críticos, tanto do governo como da oposição. Mas a verdade é que o BNP elegeu dois membros do Parlamento Europeu no início deste ano, e a BBC, com base nessa representatividade e no princípio de imparcialidade partidária que rege suas operações, convidou o líder do partido e parlamentar europeu, Nick Griffin, para participar do Question Time nesta quinta-feira.
A pressão sobre a BBC, contra tal decisão, tem sido enorme. O ministro Peter Hain fez o que pôde para que a BBC voltasse atrás, argumentando que o BNP é um partido ilegal por só aceitar brancos como membros. A Justiça já exigiu que o partido mude suas regras internas, e o BNP prometeu acatar, mas tal mudança ainda não ocorreu. O ex-prefeito de Londres Ken Livingston disse que a BBC será moralmente responsável por qualquer aumento em ataques de cunho racista no país em consequência da exposição das ideias do BNP abertamente na TV. Em resposta, em um artido publicado no jornal The Guardian, o diretor-geral da BBC, Mark Thompson, defendeu a decisão da corporação em nome do seu princípio de imparcialidade. Disse ainda que, se o governo quiser proibir a participação do BNP em programas de TV por considerá-lo fascista, deve enviar ao Parlamento uma proposta nesse sentido. Aplicar censura, afirmou Thompson, não é responsabilidade da BBC. O ministro da Cultura, Ben Bradshaw, mostrou como o tema dividiu o governo, ao apoiar o convite ao BNP.
Horas antes da gravação e transmissão do Question Time, manifestantes já se reuniam em frente aos estúdios da BBC (foto acima), aqui em Londres, para prostestar contra a presença de Nick Griffin no programa. Griffin, aparentemente, não vê a hora de aparecer debatendo ao lado de outras figuras políticas, dizendo no The Times que o convite da BBC aumentou o prestígio do partido. Independentemente do que for dito no programa, ele provavelmente terá grande impacto em futuras discussões políticas e nas relações sociais dentro do país. Especialmente em tempos de crise econômica, desemprego crescente e dúvidas sobre o futuro político e econômico da Grã-Bretanha, o embate entre liberdade de expressão e ideias intolerantes parece estar apenas no começo".
O Blog da BBC em português pode ser acessado por aqui
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