Neste tempos em que os governantes estão pondo as manguinhas de fora na América Latina, é bom discutir democracia. Este artigo foi publicado pelo Milton Coelho da Graça no Diário da Manhã de Goiânia em 11/11/2007
A democracia deve ser vista como um organismo vivo e sempre pensarmos sobre como pode ser aprimorada.Em Atenas, Aristóteles, Platão e outros filósofos já conversavam no jardim Academos sobre o poder político – deve resultar da decisão de uma elite (aristos, os ótimos) ou de todos (demos, o povo)?Ainda há quem ache – com boas ou más intenções – que o poder político deve ser dominado pelos mais ricos, os mais sábios, os mais devotos ou os mais fortes.
A democracia deve ser vista como um organismo vivo e sempre pensarmos sobre como pode ser aprimorada.Em Atenas, Aristóteles, Platão e outros filósofos já conversavam no jardim Academos sobre o poder político – deve resultar da decisão de uma elite (aristos, os ótimos) ou de todos (demos, o povo)?Ainda há quem ache – com boas ou más intenções – que o poder político deve ser dominado pelos mais ricos, os mais sábios, os mais devotos ou os mais fortes.
Mas vamos circunscrever esta nossa conversa aos que louvam e continuam apoiando a vitória da democracia nas revoluções americana (1776) e francesa (1789).
Desde o princípio, uma das questões mais complicadas era determinar como fazer com que a vontade, os interesses e as idéias de todos os cidadãos estivessem representados nas assembléias em todos os níveis – da vila a toda a nação. Tive a grande alegria de testemunhar uma assembléia na praça principal de Apfenzell, único cantão suíço onde ainda se pratica a democracia direta (não sei se esta informação ainda é correta, mas foi o que me disseram na época, há umas duas décadas). E estou convencido de que a democracia direta – isto é, sem intermediários ou representantes – é a que mais se aproxima dos sonhos de Platão, Mirabeau, Danton, Jefferson, Hamilton e tantos outros.
Eles todos, entretanto, apoiaram, de uma forma ou outra, a democracia representativa. Mas não poderia ser de outra forma. Não havia possibilidade – como ainda não há hoje – de reunir todos os cidadãos de um país – nem mesmo de um Estado ou de cidade com mais de 5 ou 10 mil habitantes – para decidir sobre a vigência de um imposto, uma lei criminal ou qualquer outro assunto que, numa democracia, exijam a opinião favorável de metade mais um dos cidadãos. Foi por essas imposições – geográfica e populacional – que revolucionários nos Estados Unidos, na França e em outros países estabeleceram a democracia representativa, através de eleições que foram se tornando cada vez mais universais. Lembremo-nos que o conceito de “cidadão” excluía inicialmente – e dependendo do país – mulheres, pobres, negros, imigrantes etc. No Brasil, até 1934 mulher não votava, mas em compensação podemos ter o orgulho de ter estendido o direito de voto aos analfabetos com a Constituição de 1988.
Depois da II Guerra Mundial, começou a surgir um aperfeiçoamento democrático: o de submeter à decisão de todos os cidadãos com direito a voto alguns temas de maior importância, através de plebiscitos (mesmo antes da apreciação desses temas pelos parlamentos) e referendos (depois da apreciação parlamentar).Não há a menor dúvida de que a democracia de um país é tão mais aperfeiçoada quando mais vezes é submetida diretamente aos cidadãos a decisão sobre temas importantes.
Plebiscitos e referendos estão ocorrendo cada vez em maior número em quase todos os Estados americanos, todos os cidadãos da Comunidade Européia são chamados a decidir diretamente sobre questões básicas – Constituição, moeda etc. – e nós mesmos já fizemos experiências notáveis.Portanto, não é a realização de plebiscitos e referendos que comprova o caráter autoritário de qualquer regime ou dirigente. Os argumentos contra um possível terceiro mandato de Lula, por exemplo, não podem se circunscrever a esse argumento. E há outras questões muito mais graves e deformadoras de nossa democracia do que consultas diretas ao povo.
O princípio fundamental da democracia – “cada pessoa um voto” – foi escancaradamente desrespeitado pelo “Pacote de Abril” do ditador Ernesto Geisel, exatamente para dificultar que a vontade da maioria dos cidadãos fosse a base do poder político. E até hoje nossos senadores, deputados e juízes (a letra e os princípios jurídico-políticos da Constituição de 1988 são claramente contra o “pacote”) fazem de conta que nada estão percebendo. Por quê?Deixo a cada um de vocês a interpretação, apenas constato.
Mas voltemos à questão teórica da evolução da democracia. Podemos já hoje antecipar, por conta dos avanços da tecnologia da informação, que, dentro de muito pouco tempo, qualquer um de nós poderá manifestar sua opinião sobre qualquer assunto, direta e imediatamente, de sua casa para o Tribunal Eleitoral e sem risco de fraude na transmissão ou na apuração. Portanto, a democracia direta não é um sonho, é uma possibilidade real e próxima. E, com ela, o fim da representatividade como elemento essencial da democracia.
A representatividade é que, até hoje, não conseguiu um modelo ideal. Se adota o voto proporcional, incorre no risco das deformações que vivemos aqui mesmo em nosso País. Se adota o voto distrital, incorre no risco de representar apenas interesses de todas as localidades, mas reduzindo a representação das correntes políticas minoritárias. Os Estados Unidos têm dezenas de partidos, mas só um ou outro consegue vencer em determinado distrito eleitoral e, portanto, chegar à Câmara dos Deputados. Democratas e republicanos usualmente dividem todas as cadeiras. No Reino Unido, a bancada do Partido Liberal Democrático (terceiro partido do país) na Câmara dos Comuns é proporcionalmente muito menor do que o número de seus eleitores em todo o país. A Alemanha adota um modelo misto, corrige alguns problemas, mas aumenta outros.
A maior adoção de plebiscitos e referendos é altamente desejável porque impõe o princípio “cada pessoa um voto” sem qualquer restrição imposta pelos grupos de interesses que se formam no Congresso. E, com a chegada inevitável da democracia direta, nenhum “pacote”, de abril ou de qualquer outra natureza, conseguirá sobreviver.
Que tal incluirmos sempre dois ou três plebiscitos/referendos (de caráter nacional, estadual ou municipal) em todas as eleições, para o povo ir se acostumando a ser diretamente responsável, como já fez em relação ao parlamentarismo e ao desarmamento?
demos não é exatamente o que entendemos por povo hoje.
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