Santos,
minha querida cidade natal, foi um dos epicentros da agitação política que
resultou no golpe de 64, que agora comemora 50 anos.
Na época, o
café ainda era o grande produto de exportação do país e a cidade concentrava
empresas e serviços importantes para a sua comercialização. Os sindicatos de trabalhadores portuários –
estivadores e outras categorias – tinham influencia decisiva no funcionamento
do porto, o maior da América Latina, com forte presença do Partido Comunista –
daí ser conhecido como o Porto Vermelho. Por intermédio do Fórum Sindical de
Debates havia estreita ligação entre todas as entidades sindicais trabalhistas
da cidade e da Baixada Santista, como a dos petroleiros de Cubatão, entre
outras.
Sendo ponto fulcral da economia exportadora brasileira
e concentrando interesses dos dois lados em disputa, os conservadores e os
reformadores (nacionalistas, trabalhadores, comunistas, socialistas), a
Barcelona brasileira, como a cidade era chamada, refletia em grande escala os
embates que se travavam em todo ao país.
Uma notícia de um dos mais importantes jornais cariocas
da época, o Correio da Manhã, de 27 de janeiro de 1964, demonstra o grau de
conflito que reinava na cidade:
MAIS DE 40 GREVES
TEVE SANTOS EM 63
TEVE SANTOS EM 63
SANTOS (Sucursal) - A baixada santista,
em 1963, sofreu em média 3,4 greves por mês, contando-se entre elas 2 gerais,
de solidariedade. Até juízes de futebol paralisaram suas atividades, alegando
baixa taxa de pagamento e falta de garantias. Os dias mais agitados, porém,
vividos nesta região paulista registraram-se em junho e agosto, quando se
sucederam os movimentos grevistas dos "bagrinhos" e enfermeiros,
respectivamente. Nas duas ocasiões, a cidade se transformou em praça de guerra,
com a presença de tropas federais - primeiro, para garantir a execução da
sentença que mandava sindicalizar 275 matriculados na estiva e, depois, para
assegurar a ordem, principalmente na faixa portuária, refinaria e oleoduto.
Uma das
greves mais importantes desse ano foi a dos enfermeiros. Vejam a notícia do Diário
da Noite, de São Paulo, de 29 de agosto daquele ano:
A
partir da meia-noite do próximo domingo
GREVE GERAL EM
SANTOS!
40 entidades reunidas apóiam a
decisão do Fórum Sindical de Debates
Santos, 29 (de Athaide Alves
Franco e Antônio Rodrigues, enviados especiais) - Foi decretada greve geral em
Santos. A decisão foi tomada às 22,20 horas pelo Fórum Sindical de Debates. O
movimento eclodirá a partir da meia-noite de domingo, devendo paralisar todas
as atividades da baixada santista. No momento em que redigíamos esta nota os
membros do FSD deixavam o Sindicato dos Operários Portuários para um encontro com
o Prefeito de Santos e diretores de estabelecimentos hospitalares. Contudo
informações chegadas ao conhecimento dos membros do Fórum Sindical de Debates
davam conta de que a Santa Casa continua no seu firme propósito: não atenderá
aos grevistas. Há poucos minutos o diretor do Departamento Nacional do Trabalho
e o ministro do Trabalho, respectivamente Lúcio Gusmão e Amaury Silva,
telefonaram para Santos a fim de se colocar a par da situação. Documentos de
posse dos grevistas dão conta de que no período compreendido entre outubro
último e agosto corrente os hospitais elevaram suas taxas em 95 por cento.
Inúmeras listas estão sendo corridas na cidade organizando fundos para auxílio
dos grevistas.
A decisão do Fórum Sindical de Debates foi tomada por unanimidade,
estando presentes à reunião representantes de 40 entidades sindicais. O
movimento poderá ser antecipado para qualquer momento no caso de se registrarem
arbitrariedades contra os grevistas.
A greve
começara com os enfermeiros de todos os hospitais da cidade que, liderados pela
Santa Casa, resistiam a atender as reivindicações. Quando virou um movimento
que, em solidariedade aos enfermeiros, paralisou a região, o governo fez forte
pressão sobre os hospitais, que cederam, menos a Santa Casa, cujo provedor à época
era o meu conservador avô materno Ricardo Pinto de Oliveira.
O
prolongamento do impasse, apesar da forte pressão do governador de São Paulo, Adhemar
de Barros e do Governo Federal, estimulou uma tentativa de articulação de greve geral de solidariedade em todo o
País. Diante do conturbado quadro que reinava no país, a ameaça de uma greve nacional provocou uma inesperada reação dos
militares.
Na página
360 de seu portentoso livro João Goulart –
uma biografia, Jorge Ferreira relata:
“Algo
tinha mudado entre a oficialidade das Forças Armadas, mas que ainda não era
percebido com clareza. Em setembro, com a multiplicação das greves, os
militares tomaram uma nova postura. Se, até então, os oficiais do Exército
mostravam certa indiferença diante delas, ou mesmo as apoiavam, como na
paralisação do plebiscito, nesse momento começaram a demonstrar contrariedades,
quando não as reprimiam abertamente, como a greve no porto de Santos, cujo
desfecho foi a intervenção militar por ordem do Ministro da Guerra”
A história
mostra que o episódio, apesar da clara sinalização de mudança do humor dos
militares, não desacelerou a onda reivindicatória das forças progressistas em
torno de João Goulart, a ponto de chegarem a desafiar os princípios hierárquicos que as Forças
Armadas tanto prezam com as posteriores manifestações de sargentos e marinheiros. Estimulados pelos conservadores, os militares fizeram o
que todos sabemos.
Quanto ao
meu querido e conservador avô Ricardo, foi homenageado pela também conservadora
Câmara Municipal de Santos pela sua atitude durante a greve.
Uma violenta
repressão caiu sobre os sindicalistas e políticos de esquerda da cidade e o
navio Raul Soares foi deslocado para o porto para servir de prisão política.
Em 1969, na
esteira do novo endurecimento do regime iniciado com o AI-5 e depois de ter o
prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio cassado, a cidade foi declarada Área de
Segurança Nacional e só recuperou a autonomia em 1983.
Mas, nunca
mais foi a mesma.
Em anexo, alguns links do blog
Novo Milénio, com matérias e informações sobre esse período sombrio da vida de
Santos:
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