sábado, 29 de março de 2014

SANTOS, "O PORTO VERMELHO", UMA CIDADE NO EPICENTRO DO GOLPE DE 64

Santos, minha querida cidade natal, foi um dos epicentros da agitação política que resultou no golpe de 64, que agora comemora 50 anos.

Na época, o café ainda era o grande produto de exportação do país e a cidade concentrava empresas e serviços importantes para a sua comercialização.  Os sindicatos de trabalhadores portuários – estivadores e outras categorias – tinham influencia decisiva no funcionamento do porto, o maior da América Latina, com forte presença do Partido Comunista – daí ser conhecido como o Porto Vermelho. Por intermédio do Fórum Sindical de Debates havia estreita ligação entre todas as entidades sindicais trabalhistas da cidade e da Baixada Santista, como a dos petroleiros de Cubatão, entre outras.

Sendo ponto fulcral da economia exportadora brasileira e concentrando interesses dos dois lados em disputa, os conservadores e os reformadores (nacionalistas, trabalhadores, comunistas, socialistas), a Barcelona brasileira, como a cidade era chamada, refletia em grande escala os embates que se travavam em todo ao país.

Uma notícia de um dos mais importantes jornais cariocas da época, o Correio da Manhã, de 27 de janeiro de 1964, demonstra o grau de conflito que reinava na cidade:

MAIS DE 40 GREVES
TEVE SANTOS EM 63
SANTOS (Sucursal) - A baixada santista, em 1963, sofreu em média 3,4 greves por mês, contando-se entre elas 2 gerais, de solidariedade. Até juízes de futebol paralisaram suas atividades, alegando baixa taxa de pagamento e falta de garantias. Os dias mais agitados, porém, vividos nesta região paulista registraram-se em junho e agosto, quando se sucederam os movimentos grevistas dos "bagrinhos" e enfermeiros, respectivamente. Nas duas ocasiões, a cidade se transformou em praça de guerra, com a presença de tropas federais - primeiro, para garantir a execução da sentença que mandava sindicalizar 275 matriculados na estiva e, depois, para assegurar a ordem, principalmente na faixa portuária, refinaria e oleoduto.

Uma das greves mais importantes desse ano foi a dos enfermeiros. Vejam a notícia do Diário da Noite, de São Paulo, de 29 de agosto daquele ano:

A partir da meia-noite do próximo domingo
GREVE GERAL EM SANTOS!
40 entidades reunidas apóiam a decisão do Fórum Sindical de Debates
Santos, 29 (de Athaide Alves Franco e Antônio Rodrigues, enviados especiais) - Foi decretada greve geral em Santos. A decisão foi tomada às 22,20 horas pelo Fórum Sindical de Debates. O movimento eclodirá a partir da meia-noite de domingo, devendo paralisar todas as atividades da baixada santista. No momento em que redigíamos esta nota os membros do FSD deixavam o Sindicato dos Operários Portuários para um encontro com o Prefeito de Santos e diretores de estabelecimentos hospitalares. Contudo informações chegadas ao conhecimento dos membros do Fórum Sindical de Debates davam conta de que a Santa Casa continua no seu firme propósito: não atenderá aos grevistas. Há poucos minutos o diretor do Departamento Nacional do Trabalho e o ministro do Trabalho, respectivamente Lúcio Gusmão e Amaury Silva, telefonaram para Santos a fim de se colocar a par da situação. Documentos de posse dos grevistas dão conta de que no período compreendido entre outubro último e agosto corrente os hospitais elevaram suas taxas em 95 por cento. Inúmeras listas estão sendo corridas na cidade organizando fundos para auxílio dos grevistas.
A decisão do Fórum Sindical de Debates foi tomada por unanimidade, estando presentes à reunião representantes de 40 entidades sindicais. O movimento poderá ser antecipado para qualquer momento no caso de se registrarem arbitrariedades contra os grevistas.

A greve começara com os enfermeiros de todos os hospitais da cidade que, liderados pela Santa Casa, resistiam a atender as reivindicações. Quando virou um movimento que, em solidariedade aos enfermeiros, paralisou a região, o governo fez forte pressão sobre os hospitais, que cederam, menos a Santa Casa, cujo provedor à época era o meu conservador avô materno Ricardo Pinto de Oliveira.

O prolongamento do impasse, apesar da forte pressão do governador de São Paulo, Adhemar de Barros e do Governo Federal, estimulou uma tentativa de articulação de  greve geral de solidariedade em todo o País. Diante do conturbado quadro que reinava no país, a ameaça de uma  greve nacional provocou uma inesperada reação dos militares.

Na página 360 de seu portentoso livro João Goulart – uma biografia, Jorge Ferreira relata:

“Algo tinha mudado entre a oficialidade das Forças Armadas, mas que ainda não era percebido com clareza. Em setembro, com a multiplicação das greves, os militares tomaram uma nova postura. Se, até então, os oficiais do Exército mostravam certa indiferença diante delas, ou mesmo as apoiavam, como na paralisação do plebiscito, nesse momento começaram a demonstrar contrariedades, quando não as reprimiam abertamente, como a greve no porto de Santos, cujo desfecho foi a intervenção militar por ordem do Ministro da Guerra”

A história mostra que o episódio, apesar da clara sinalização de mudança do humor dos militares, não desacelerou a onda reivindicatória das forças progressistas em torno de João Goulart, a ponto de chegarem a desafiar os princípios hierárquicos que as Forças Armadas tanto prezam com as posteriores manifestações de sargentos e marinheiros. Estimulados pelos conservadores, os militares fizeram o que todos sabemos.

Quanto ao meu querido e conservador avô Ricardo, foi homenageado pela também conservadora Câmara Municipal de Santos pela sua atitude durante a greve.

Uma violenta repressão caiu sobre os sindicalistas e políticos de esquerda da cidade e o navio Raul Soares foi deslocado para o porto para servir de prisão política.

Em 1969, na esteira do novo endurecimento do regime iniciado com o AI-5 e depois de ter o prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio cassado, a cidade foi declarada Área de Segurança Nacional e só recuperou a autonomia em 1983.

Mas, nunca mais foi a mesma.

Em anexo, alguns links do blog Novo Milénio, com matérias e informações sobre esse período sombrio da vida de Santos:




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