domingo, 18 de maio de 2014

A CHINA IMPLANTARÁ A ECONOMIA SOCIALISTA DE MERCADO ATÉ 2020?

A população urbana da China é de 750 milhões de pessoas, 53,7%  do total do país. Desses, 260 milhões são chineses que migraram pela primeira vez do campo para a cidade e não tem cidadania urbana. Não tem direito a qualquer serviço social, ou seja, acesso à educação, cuidados de saúde, propriedade de imóvel.

Esses 260 milhões de chineses, mais do que toda a população do Brasil,  tem o “Hukao”, o registro como cidadãos, em sua terra natal, e só nela, segundo as regras chinesas,  tem acesso aos serviços sociais. Nas grandes cidades para as quais migraram, em busca dos empregos oferecidos pelo boom de desenvolvimento do país, o seu “Hukao” não tem validade, o que os coloca na condição de cidadãos de segunda classe, embora estejam inseridos na máquina produtiva do País.

O quadro descrito acima  não foi exposto por nenhum crítico do sistema de desenvolvimento chinês, mas por um membro do Gabinete de Conselheiros do Conselho de Estado da China, Professor Li Qingyun, em palestra sobre “As reformas econômicas da China”, promovida, na semana passada,  pelo Instituto Confúcio da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e pelo Conselho Empresarial Brasil-China.

Segundo Li Qingyun, esse é um, só um, dos problemas que o governo chinês tem à frente para dar sustentabilidade ao dramático processo de desenvolvimento que o país atravessa desde as primeiras reformas econômicas, patrocinadas por Deng Xiao Ping a partir de 1978.

“Não importa a cor do gato, o que importa é que ele cace os ratos”. Lembram? Foi a emblemática frase propagandeada por Deng para estimular os chineses a aderirem ao capitalismo de Estado e colocar a máquina chinesa a produzir com eficiência, depois de décadas do romantismo revolucionário liderado por Mao Tsé Tung.

Pois bem, os gatos de Deng, segundo o professor Qingyun, tiraram a China de um quadro de escassez, superando o déficit grave de alimentos e produtos industrializados. Transformaram a China no maior produtor e exportador de produtos industrializados no mundo. Colocaram-na como um dos mais importantes protagonistas do comércio mundial. Catapultaram a China na balança mundial de poder.

Foi um importantíssimo avanço. Mas para o processo avançar, segundo ele, é preciso enfrentar novos e dramáticos problemas com que o país passou a conviver.
Da escassez, passou-se à superprodução de aço e cimento, por exemplo. As finanças das empresas estão bastante fragilizadas e os governos locais acumulam dívidas e muitos problemas. A poluição é catastrófica, com danos graves aos solos e às águas. Criou-se uma classe média robusta, mas também muitos bilionários. A população é obcecada por poupar, diante das carências nos serviços sociais, especialmente os voltados para a assistência à velhice. “Eu, professor assalariado, poupo 80% do que ganho e esse é o padrão do país”, revelou Qingyun.

Surgiu, ao longo do tempo, um tipo novo de escassez: em educação, saúde, habitação e serviços públicos. Ou seja, há déficit de instrumentos para capacitar a população para se engajar em um novo e mais sofisticado ciclo produtivo e de desenvolvimento. E a qualidade de vida da maioria dos chineses ainda deixa muito a desejar.

“O novo ciclo de reformas lançado no 18º Congresso do Partido Comunista Chinês visa lançar as bases para a superação desses problemas”, disse Qingyun. O objetivo é avançar na “economia socialista de mercado”, incentivar as iniciativas empresariais privadas, descentralizar o poder, ter um sistema financeiro mais eficiente, abrir mais a economia aos capitais estrangeiros, investir em projetos internos uma boa parte dos US$ 4 trilhões de reservas cambiais, desenvolver as regiões central e oeste do país. Tudo sob a égide e controle do poder de Pequim, é claro. Shangai seria o projeto piloto desse futuro.

“Serão várias etapas”, disse Qingyun. Uma das primeiras é vencer a resistência de setores que se beneficiaram do desenvolvimento na fase pós Deng, acumulando poder e ganhos encastelados na burocracia e no comando das empresas estatais que dominam a economia do país. Outra é estimular a população a tomar iniciativas produtivas próprias, abandonando a tradição de se deixar cuidar pelo governo. “Na China se diz que a população está acostumada a comer em tigelas que nunca se quebram, ou seja, o governo sempre olha por elas e isso precisa mudar”, acrescentou Qingyun.

Criar uma infraestrutura logística que fortaleça a sua projeção comercial para o exterior é outra das prioridades chinesas. Estão sendo construídas ferrovias para ligar o Leste, a área mais desenvolvida do país, ao Centro, ao Oeste, à Ásia Menor, ao Oriente Médio e à Europa. Durante a Dinastia Min, lembrou Qingyun, a China se notabilizou pelo Caminho da Seda, que levava o tecido à Europa. “Era o Caminho da Seda on shore, mas havia também o caminho off shore, pelo mar”, disse. “Pretendemos recuperar nosso comércio pelo circuito off shore e, para isso, vamos investir na indústria naval e no transporte marítimo”, acrescentou.

E qual será a velocidade de implantação desse novo e desafiador  ciclo de reformas? O governo imagina que a “economia socialista de mercado” estaria totalmente implantada por volta de 2020, mas Qingyun julga otimista essa projeção  diante dos obstáculos a vencer. “Estamos no primeiro movimento de um jogo de xadrez”, diz ele.

Será fácil, ou mesmo possível, conciliar socialismo e mercado no mesmo projeto econômico?

Deng Xiao Poing não se importava com a cor dos gatos, mas para conciliar socialismo e mercado acho que a cor dos novos gatos chineses fará diferença.

Quem viver, verá!

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