Hoje, na
então inimaginável condição de Presidente da República, recebeu o relatório da
Comissão Nacional da Verdade identificando os responsáveis pelas tenebrosas práticas
daqueles tempos obscuros.
Natural a
sua emoção, o seu choro, num momento em que a história do País e a pessoal se
sobrepõem e evidencia-se o improvável contraste
entre presente e passado.
Natural, num
momento de restauração da verdade
histórica, crucial para o País, e também para todos que viveram aqueles
horrores e seus familiares – especialmente
para os dos que não sobreviveram.
As duas principais
recomendações do relatório são de grande
impacto:
1-Reconhecimento, pelas Forças Armadas,
de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de
direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985);
2-Determinação da responsabilidade
jurídica (criminal, civil e administrativa) dos agentes públicos que causaram
graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado,
As Forças
Armadas brasileiras ainda resistem a aceitar as suas responsabilidades nos
desatinos ocorridos entre 1964 e 1985, o primeiro deles o próprio golpe com que
abriram as portas do poder.
Comportam-se
como uma força política legítima que cumpriu um papel no desenvolvimento social
e econômico do país. Apesar de serem um braço do Estado, dão- se ao direito de
interpretar a história do país a partir de seus próprios conceitos e doutrinas,
o que é uma evidente inversão hierárquica. A partir dessa visão, julgam que seu
passado é inquestionável. Adotam o discurso de que a Lei de Anistia foi uma das
pedras basilares que possibilitou a vigência do atual regime democrático, ao
qual se amoldam, portanto nada há questionar a respeito dos tempos do regime
militar.
Todo pacto reflete
o equilíbrio entre as forças politicas e sociais no momento em que ele é
aprovado. Com a Lei da Anistia não foi diferente. Foi a porta de saída aceita
pelas Forças Armadas no momento em que a sustentação ao regime militar estava
em seu ponto mais baixo e as oposições ganhavam a cada dia mais
representatividade nos parlamentos e nas ruas. A Lei da Anistia foi o
instrumento para acelerar a transição do poder militar para o civil, abençoado
pela tradição conciliatória típica do Brasil. Partiu-se para um novo regime, deixando-se
muitas feridas para trás.
As
sociedades são dinâmicas, evoluem (às vezes, involuem). As forças políticas se
transformam, mudam suas posições relativas entre si, formam-se novas maiorias,
consensos se modificam. Com o aprofundamento da democracia no Brasil e o
exemplo de outras nações, solidificou-se no país a noção de que não era justo
deixar impune o uso da tortura pelos aparelhos repressores da ditadura militar.
Nada justifica crimes contra a
humanidade, como é classificada globalmente a tortura.
Nada, nem
guerra. Os militares aferram-se à justificativa de que estavam em guerra
interna contra a subversão, contra o comunismo, combatiam grupos armados. Cabe
a pergunta: de quem foi a violência original? Quem cassou mandatos, prendeu
parlamentares, sufocou o debate
político, proibiu partidos, censurou, torturou, exilou, empurrou jovens para a ilusão da luta armada?
Qualquer
sociedade reage a um círculo vicioso de autoritarismo desse quilate e foi o que
ocorreu no Brasil. Ao se aferrarem a esse conceito, os militares tentam
legitimar o seu antigo regime. Mas a sociedade brasileira contemporânea não reconhece
essa legitimidade – e mesmo, no passado, não a reconhecia, mas a suportava diante
da força da repressão política.
Noticia-se
que os militares enviaram vários recados ao governo, manifestando desagrado
pelo conteúdo do relatório contundente do relatório.
Noticia-se,
também, que há correntes favoráveis a retirar os crimes de tortura, pelo menos, do guarda-chuva
de proteção de Lei de Anistia.
O ministro
Luís Roberto Barroso manifestou, nesta quarta-feira, 10/12, que o STF deve reanalisar sua decisão de 2010, quando
reconheceu a constitucionalidade da lei. Ocorre que ela se choca com decisões
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que o Brasil subscreve, o que
motivou a sugestão de Barroso.
"De quem foi a violência original?" Essa é a pergunta chave. Os militares alegam que em 64 impediram um golpe de esquerda. De facto, existiam movimentos na Esquerda destinados a subverter a ordem institucional. Penso que se houvesse um desejo genuíno de esclarecimento (e parece que ainda estamos muito próximos dos acontecimentos para que isso seja possível), as forças que lutaram contra a ditadura deveriam reconhecer certas verdades para tornar possível a busca da Verdade. Por exemplo, reconhecer que a maioria das forças contrárias à ditadura não lutava por democracia. A organização a que pertenci e muitas outras lutávamos pela ditadura do proletariado. Há mortes a computar no passivo da Esquerda. Inclusive justiçamentos.Qual o problema de reconhecer esse facto e oferecê-lo ao juízo da sociedade atual? O sectarismo esquerdista não admite nada disso. Mas cobra dos militares a aceitação do facto, também incontestável, de que foi criada toda uma organização militar para a tortura. Ela não foi episódica e representada por factos isolados. Quem sabe daqui a algumas décadas tudo isso possa ser esclarecido sem paixões. Mas tudo indica que essa Comissão da Verdade não contribuiu muito para se chegar a esse ponto.
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