sexta-feira, 20 de março de 2009

EM PARAÍSO, A FICÇÃO IMITA E DRAMATIZA A VIDA

A novela Paraíso, da Globo, remake de antiga versão da própria emissora e cópia do velho e saudoso Pantanal, tem uma trama central envolvendo as personagens Mariana, uma carola empedernida e amalucada, e sua filha Maria Rita, a Santinha, que parece inverossímel.

Mas não é.

Mariana tinha o sonho de ser freira, mas foi obrigada a se casar, com o que nunca se conformou. E alimenta o mito de que sua filha, Maria Rita, possa ser "santa", cumprindo o destino que lhe foi negado.

Para forçar a filha a entrar para um convento, o que lhe abriria o caminho para ser "santa" mais facilmente, inventou que ela correu perigo de morte logo depois de nascer e que, para salvá-la, prometeu à Santa Rita que ele se tornaria freira, se sobrevivesse.

Santinha, é claro, não quer pagar a promessa que a mãe fez em nome dela, até porque está interessadíssima em Zeca, o galã da novela, que tem a fama de ser o "filho do diabo".

Parece uma história fantasiosa, não? Mas não é, repito. Há muita promessas estranhas feitas por esse mundo afora.

Eu mesmo fui alvo de uma parecida com a que a mãe de Santinha diz que fez para salvá-la da morte.

Eu corri risco de vida aos seis meses de idade. Foi uma desidratação violenta, que não queria ceder. Estamos falando de 1947 e o que me salvou foi a penicilina, recém-descoberta pelos norte-americanos, amplamente empregada para salvar feridos na II Guerra Mundial.

Na hora do desespero, minha mãe, Maria Ismenia, uma mulher inteligente e esclarecida, mas católica conservadora, prometeu que, se eu sobrevivesse, eu acompanharia até o fim da vida a procissão do Depósito do Senhor, realizada toda quinta-feira santa, em Santos, pela Irmandade Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos.

A Irmandade é uma das heranças religiosas que os portugueses nos deixaram, com raízes em todo o Brasil. O centro de sua devoção é uma imagem de Jesus Cristo, com um enorme manto roxo, carregando a cruz. Elas resistem em cidades históricas brasileiras, como Santos, São João D'El Rey e outras.

Na Semana Santa, realizam duas procissões, a do Depósito, na quinta-feira e a do Encontro, na sexta-feira, em que Cristo percorre a sua Via Crucis e se encontra com Nossa Senhora, Verônica e Maria Madalena.

Em Santos, elas aconteciam entre a Igreja do Valongo, na entrada da cidade, e a Catedral, na Praça José Bonifácio. Faziam um percurso de ida num dia e volta no outro, que atravessava as ruas do centro antigo. Bares, boates e casas de prostituição fechavam as portas à sua passagem, em sinal de respeito. A banda da Polícia Militar animava a procissão com uma música especialmente composta para ela, que está em minha memória até hoje.

A velha elite da cidade, meu avô materno, Ricardo Pinto de Oliveira, incluído, se revezava para carregar o andor com a imagem de Cristo. Era um honra para os escolhidos. Como contra-peso ao andor, se apoiavam em cajados com pontas de metal, que emitiam ruído estridente no choque com os paralelepípedos: práá..., práá...,práá..., práá, num ritmo vagaroso e constante, que naquelas ruas escuras, com velhas construções, instigavam lembranças inquisitoriais.

Lá por volta dos 16 anos, deixei de cumprir a promessa feita por minha mãe. Sem qualquer sentimento de traição a ela. Já estava ficando agnóstico nessa época. E ela também não me cobrou nada.

Algum tempo depois, a sede da irmandade saiu da Igreja do Valongo e foi para uma igreja própria no bairro do Gonzaga, mais perto da praia. Poucos anos depois, as procissões deixaram de ser realizadas. Assim, mesmo que quisesse, eu não poderia cumprir a promessa até o fim de minha vida.

As procissões continuam a acontecer em cidades como São JoãoD'El Rey, em Minas Gerais. E uma coisa muito intrigante me aconteceu quando a visitava há alguns anos , durante a Semana Santa.

Sentei-me, com minha mulher Maria Helena, em um restaurante para almoçar, na quinta-feira santa. Na parede ao meu lado, deparei-me com ladrilhos iguais aos do banheiro do apartamento onde minha falecida mãe morava, em Santos. Sobre eles, inacreditável!, um folheto convocava para a realização da procissão do Depósito do Senhor.

Teria sido uma mensagem do além?

Não acredito nessas coisas.

Mas, por via das dúvidas, acompanhei a procissão naquela noite, em São João D'El Rey.

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