sábado, 16 de maio de 2009

GUTA, MAIS UMA DA GERAÇÃO 68 QUE SE VAI. PENA QUE SÓ A CONHECI PELA TV

Não conheci pessoalmente Maria Augusta Carneiro Ribeiro, a Guta, (foto) a única mulher no grupo de 15 prisioneiros politicos que foi libertado pela ditadura militar em troca da soltura do embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado em 1969, por grupos de esquerda. Guta faleceu na sexta-feira passada, 15 de maio, aos 62 anos, de falência múltipla dos órgãos, em consequência de um desastre de automóvel que sofreu, em abril, viajando de Búzios para o Rio de Janeiro.

Ei-la, acima, na célebre foto do embarque para o México que a ditadura militar foi obrigada a divulgar para comprovar que estava liberando os prisioneiros políticos cujo nome constava da lista de exigências apresentada pelos sequestradores.

Na verdade, só há 13 pessoas na foto, feita no Rio de Janeiro: da esquerda para a direita, em pé, Luís Travassos, José Dirceu, José Ibrahim, Onofre Pinto, Ricardo Vilas Boas, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Ricardo Zarattini e Rolando Frati; agachados, João Leonardo da Silva Rocha, Agonalto Pacheco, Vladimir Palmeira, Ivens Marchetti e Flávio Tavares. Gregório Bezerra juntou-se ao grupo em Recife e Mário Zanconato em Belém.

O seqüestro envolveu dois grupos, a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR- 8) e teve entre seus idealizadores e realizadores: Franklin de Souza Martins, Cid Queiroz Benjamin, Fernando Paulo Nagle Gabeira, Cláudio Torres da Silva, Sérgio Rubens de Araújo Torres, Antônio de Freitas Silva, Joaquim Câmara Ferreira, Virgílio Gomes da Silva, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Paulo de Tarso Venceslau, Helena Bocayuva Khair, Vera Silvia Araújo de Magalhães, João Lopes Salgado e José Sebastião Rios de Moura.

Guta tinha a minha idade, 62 anos (vou completar em agosto), preservava seus belos traços e, segundo os relatos, toda o idealismo da jovem estudante engajada na luta contra a ditadura. Atualmente exercia-a no campo social e trabalhava na Petrobras, como ouvidora da companhia.

Curiosamente, a vi e a ouvi pela primeira vez na semana retrasada ao assistir nesse fantástico Canal Brasil (66 da NET), dedicado a divulgar as coisas do Brasil, o documentário Hércules 56, de Silvio Dá-Rin. O documentário mescla um encontro entre os idealizadores do sequestro, como o atual Secretário de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins e o historiador Daniel Aarão Reis, entre outros, depoimentos de alguns dos presos políticos libertados e imagens e relatos da época. É uma peça interessantíssima que mostra os bastidores do episódio, dá vida àquela foto simbólica de uma época de sonhos, militância e repressão, muita repressão. Os idealizadores do sequestro reafirmam sua validade política, por ter causado uma trinca no monolito do poder militar/ditatorial e os libertados relembram o alívio, a alegria que o vôo do Hércules 56 representou - e, claro, agradecem aos seus liberadores e ao fato de seus nomes terem sido incluídos na lista.

Cada um daqueles personagens seguiu um destino na vida. Entre os sequestradores, o mais notório nos dias de hoje é Franklin Martins. Entre os liberados, José Dirceu fez o vôo mais alto, e só 8 sobrevivem agora, com a morte de Guta. Alguns morreram nas prisões brasileiras, ao voltar a militar no país. Dois morreram em desastres de automoveis, Luís Travassos, ex-presidente da Une, e agora Guta, não no desastre, mas em consequência dele.

Em 68, presidente da UNE, Travassos foi capa da revista Realidade. Na foto de capa, aparecia, magrinho e cabeludo, com um paletó jogado sobre um dos ombros, recostado em um muro, se não me falha a memória. Eu tinha um exemplar da revista no meu quarto do Crusp, o 203-F. Depois de sermos expulsos, a 17 de dezembro, quatro dia depois do AI-5, fomos autorizados a voltar aos quartos só para retirar as nossas coisas.

Subi ao meu, acompanhado por um soldado. Durante a invasão, eu havia me livrado de toda literatura de esquerda que guardava no quarto, jogando os livros por um buraco na parede do corredor do bloco. Uns dias antes, tinha me livrado de algumas bombas Molotov que tinha resgatado na batalha da Maria Antônia. Não tinha o que temer. À época eu era magro e cabeludo também. Mas por me chamar Luiz, o soldado me perguntou se eu era o sujeito da foto. Tirei minha identidade do bolso e disse rapidinho que não... nem precisei dizer que o Travassos estava bem longe.

Quando vi Guta no documentário impressionei-me com sua beleza, jovialidade e convicção com que rememorava as lembranças daqueles dias. Jamais imaginaria que alguns dias depois leria a notícia de sua morte. E foi só ao ler sobre sua morte que também descobri que ela era tia-avó de Sean, o menino cujo pai, o norte-americano David Goldman, separado da também falecida irmã de Guta, quer levá-lo de volta aos EUA, contra a vontade da família da mãe.

Assim segue a história da geração 68...



5 comentários:

  1. Priscila Veiga19/5/09 11:42 AM

    Ótimo post. Gosto muito do seu blog e adoro histórias de mulheres que se destacam por sua luta e não pelos ml de silicone que implantaram. Para o alto e avante!
    Priscila Veiga - Maxpress

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  2. belo registro Serrano. beijos. Magali

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  3. Ibrahim dá expediente nos fins-de-semana no boteco do português da Rua Cônego Eugênio Leite...

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  4. Pois é! A única realidade imutável é que "la nave va ..." Muitos dos revolucionários de então, que ainda estão por aqui, são os reacionários de hoje. Nós que achávamos que o capitalismo estava no fim, mau sabíamos que o nosso planeta pode estar no fim.

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  5. a sua última ação pode não ter sido boa: a de retirar um filho de um pai. que descanse em paz.

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