Deu no Estadão deste domingo, 13/9:
Uma manifestação contra o governo do presidente americano, Barack Obama, organizada por grupos de contribuintes reuniu ontem milhares de pessoas em Washington, nos EUA. Os manifestantes caminharam pelas ruas da capital americana segurando cartazes com frases de descontentamento e gritando críticas ao governo, em protesto contra o que consideram uma intromissão cada vez maior do governo em suas vidas.
Foi a maior de uma série de manifestações que vêm ocorrendo desde o início do verão americano. Em princípio, elas tinham como alvo a política de saúde pública de Obama, mas passaram a expressar uma insatisfação mais generalizada em relação à atuação do governo e do Congresso. "Nós estamos sob o ataque do nosso próprio governo", dizia um cartaz. "Não pise sobre mim", dizia outro. "Quero que o Congresso sinta medo", disse Keldon Capp, de 45 anos, um representante de marketing do Tennessee que perdeu seu emprego recentemente. "Como todo mundo aqui, quero que eles saibam que estamos vendo o que estão fazendo."
A multidão, formada por pessoas vindas de diversas partes do país, ocupou, pela manhã, todo o gramado a oeste do Capitólio e, aos poucos, foi se expandindo na direção da área onde está localizado o National Mall. De lá, os manifestantes - que se identificavam como republicanos, libertários e independentes - partiram em caminhada pela Avenida Pennsylvania até chegar à Casa Branca.
(A íntegra do texto está aqui)
Entrevistado por Rafael Cariello, da Folha de S.Paulo, o historiador britânico Tony Judt, autor de "Pós-Guerra - Uma História da Europa desde 1945" (ed. Objetiva) e professor da Universidade de Nova York tenta explicar as razões do protesto:
FOLHA - A que o sr. atribui as fortes resistências que Obama tem enfrentado para levar adiante seu plano de reforma na saúde nos EUA?
TONY JUDT - Se você fizer uma pesquisa com os eleitores americanos, e questioná-los se querem uma cobertura médica mais abrangente, eles dirão que sim. Se perguntar se apoiam medidas que aumentem a expectativa de vida da população, dirão que sim. Se perguntar se apoiam atendimento médico para todos, mesmo para os que tenham problemas financeiros, dirão que sim.O problema então é a disputa retórica que cerca essa discussão. Os eleitores americanos querem tudo o que o eleitorado austríaco ou sueco quer em termos de saúde ou educação, mas, se você perguntar a eles se querem a social-democracia, se querem a medicina estatal que garante esses direitos e esses sistemas, eles dirão que não.Há duas razões para isso, uma mais antiga, outra mais recente. A razão antiga tem a ver com a resistência ideológica, retórica à ideia de governo centralizado, em particular um governo centralizado tomando dinheiro das pessoas para usá-lo nesses programas. Isso sempre foi combatido nos EUA.Mas a razão mais nova é que o centro de gravidade dos debates sobre políticas públicas migrou para longe das preocupações sociais e se aproximou do discurso econômico, em que as políticas são avaliadas por um critério de ganho para o crescimento econômico ou por um critério estrito de eficiência.Estamos lidando com um tipo de padrão retórico que tem grande dificuldade de discutir os efeitos sociais de um programa sem antes perguntar pelos critérios de eficiência desses gastos, que obviamente não são o melhor critério de avaliação.
FOLHA - É possível prever o que acontecerá nesse debate específico?
JUDT - Creio que, por causa dos sérios erros de cálculo de Obama, o que teremos será uma concessão do governo a esse debate, que levará a alguma racionalização do sistema atual, mas sem mudança radical.
FOLHA - E qual foi o erro de cálculo?
JUDT - Foram dois. O primeiro foi extrapolar a lógica do discurso de campanha, que pregava a superação das divisões partidárias e ideológicas nos EUA, para a estratégia de governo.Obama foi eleito porque prometeu superar essas divisões, e acredito que tenha se levado a sério demais. Não é possível criar uma ponte que supere as radicais diferenças entre os que acreditam na moderna astronomia e os que acreditam que a Lua é feita de queijo. A proposta de reforma da saúde pintou um debate cosmológico como se fosse queijo.O outro erro foi subestimar o poder dos preconceitos dos eleitores. Se ele tivesse dito diretamente para o público que o sistema de saúde europeu tem problemas, mas funciona, e que tudo o que os eleitores dizem querer na saúde só pode ser fornecido pelo Estado se tivermos um sistema de saúde forte, que custa dinheiro, mas que precisa ser feito para que os EUA sejam um país sério, tenho certeza de que teria tido muito mais sucesso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário